Como publiquei meu primeiro livro com 17 anos

E o papel da publicação independente num mercado editorial caótico

Kalew Nicholas
12 min readMay 20, 2020
Destinatário, na livr… em livraria nenhuma.

Eu detesto esse título, mas tô na vibe caça-cliques.

Antes de mais nada, preciso dizer o seguinte: eu não recomendo que você publique seu livro. O processo é demorado e, no geral, demanda bastante dinheiro e nenhuma garantia de retorno. Mas, nesse texto, eu procurei ser o mais objetivo e específico que pude sobre dois caminhos que segui: um que demanda muito dinheiro, outro que não demanda nenhum. Com essas informações você faz o que quiser.

1. Escrever é a parte mais fácil

Uma coisa que poucos escritores se atentam ao decidir publicar um livro é que a parte mais fácil é escrever. Depende só de você e da sua criatividade — e ninguém é tão genial quanto parece.

Escrevo desde criança. Em 2014, passei a me interessar por histórias de mistério e criminais. Escrevi dois livros de ficção policial: um eu cogitei publicar numa editora, mas abandonei (achei o contrato uma bosta: me lembra de falar sobre isso depois); o outro eu achei muito exagerado.

Mas eis que, em 2015, no último ano do ensino médio, em três meses eu escrevi umas 250 páginas de história criminal envolvendo idosos, doenças mentais e neurológicas e a Polícia Civil do Rio de Janeiro. Não vou falar sobre o livro, porque isso não interessa; você tá aqui pelo processo.

A escrita se deu em três meses e foi fácil escrever, apesar das crises, da síndrome de impostor e dos bloqueios criativos (que podem ser solucionados).

Até publicar, se foram uns nove meses, tipo um bebê saudável. E foi nesses nove meses que eu descobri que a parte mais difícil nem tinha começado.

2. Sobre o medo idiota de ser plagiado

A primeira questão que percebo surgir na cabeça de escritores iniciantes após escrever um livro é a seguinte:

“Preciso registrar meu livro logo, antes de ser plagiado.”

Essa preocupação já passou pela minha cabeça, então sei por que acontece. Durante os meses de processo criativo, nós nos apegamos a tudo que tá ali no papel: à ideia, à história, aos personagens, aos cenários. E, ao ler um caso famoso de plágio, ficamos com medo de tentarem roubar aquilo que é tão nosso (não vou usar a analogia do bebê de novo).

Quando terminei de escrever o livro, chamado “Destinatário”, corri atrás do registro. Antes, já havia registrado outro livro na Biblioteca Nacional. Mas lá o registro demora muitos meses e eu nunca tive muita paciência, então fui atrás de métodos alternativos.

Descobri duas coisas curiosas que não tinham me falado até então:

1. Todos os registros servem pra mesma coisa.

Todo registro de obra (tanto o da Biblioteca Nacional quanto os alternativos que vou mencionar) servem para uma coisa só: garantir anterioridade.

Não existe nenhuma forma de garantir que o livro que você escreveu é de fato seu. Mas, se você registrá-lo na Biblioteca Nacional e alguém plagiá-lo, você pode provar em um processo judicial que você tinha posse do livro antes (formalizado na BN). Se alguém registra seu livro antes de você, no tribunal o livro será dela.

Então por que digo que os outros registros têm a mesma efetividade?

Eu poderia garantir anterioridade (ou seja, mostrar que tinha a obra antes dos outros) de qualquer outra forma. Eu usei o registro Avctoris, que é bem baratinho.

Mas eu poderia imprimir meu livro e mandar pra mim mesmo pelos Correios, mantendo o envelope lacrado. Se alguém me plagiasse, eu apresentaria o envelope num processo com uma data anterior à da publicação do plagiador.

Pensa bem:

O que te impede de copiar esse meu texto e fingir que é seu? Nada.

Como eu provaria que o meu é o original? Mostrando a data: o meu é mais antigo que o seu.

Com livros é a mesma coisa. Um e-mail pode garantir anterioridade e fazer você vencer um processo judicial pelos direitos da sua obra, desde que seu e-mail contenha o livro e seja anterior à publicação do plagiador (e desde que o Gmail não desapareça da face da terra).

Eis o que eu fiz: paguei uns 17 reais pra registrar no Avctoris.

O que eu faria se fosse hoje? Não gastaria um centavo. Eu tenho registro do que eu escrevo no Google Drive, no Gmail, no OneDrive, em mensagens no WhatsApp e Telegram. Juridicamente não há hierarquia de provas e tudo isso serviria pra me defender em caso de plágio.

Mas esse é um medo bobinho. Explico isso no segundo ponto:

2. Registrar é inútil porque ninguém vai te roubar. E, se roubarem, tem chance de você sair na vantagem.

Hoje eu percebo que é muita prepotência ter medo do plágio. É difícil eu fazer meu público LER algo que escrevi, que dirá ROUBAR uma obra que eles não julgam boa o suficiente sequer pra ler.

O fato, querido escritor que me lê, é que ninguém tá nem aí pro que você escreve a ponto de te roubar. E, se roubassem, não seria tão complicado provar que a obra é sua, o que te traria poucos riscos.

Os casos de plágio são grande notícia na mídia justamente por serem raros. E, caso a sua situação seja essa, você ganharia muito mais público com a exposição do plagiador e o processo judicial, coisa que dificilmente conseguiria sem ser plagiado.

“Ah, mas podem roubar minha ideia!”

Eu duvido que sua ideia seja totalmente original. E, de uma forma ou de outra, não tem como registrar ideias. Todo artista cria com base em inúmeras referências adquiridas ao longo da vida e, por isso, a ideia de originalidade é muito discutível. Mas isso é assunto pra outro texto.

Vamos ao próximo passo:

3. Revisão ortográfica: paguei por um excelente serviço, mas me arrependi

A revisão é necessária a qualquer escritor. Hemingway dizia:

Escreva bêbado, revise sóbrio.

Mas, mais do que a revisão padrão, você precisa se certificar de que seu livro não comete erros ortográficos.

Mas peraí. Precisa mesmo?

Eu paguei 600 reais pela revisão e valeu cada centavo. Além de revisar, a profissional que prestou serviço fez uma (quase) leitura crítica e apontou algumas incoerências no meu texto. Excelente serviço.

Só que, hoje, eu não pagaria. Pelo menos não na primeira impressão do livro.

Por quê?

600 reais é muita grana (e eu tive o privilégio do meu pai pagar pra mim, porque ele tava com grana na época e foi quem me incentivou). E eu tenho uma gramática razoável, sem nenhum erro grotesco que chame atenção, então os leitores comuns perceberiam pouca diferença entre um livro com revisão e sem revisão.

Se esses 600 reais não tivessem sido gastos, a primeira tiragem do meu livro (com 50 exemplares) teria me dado um pequeno lucro que serviria pra segunda impressão, fazendo a grana rodar. Mas os 600 reais, somados a outros custos, fizeram o lançamento não valer a pena financeiramente.

Resumindo: eu recomendo você investir na sua própria educação, pra ter uma gramática boa a ponto de não cometer nenhuma atrocidade linguística. Eu acho melhor investir em revisão profissional só quando eu tiver segurança financeira pra tal.

4. ISBN e ficha catalográfica

Fiz ambos. Duas considerações:

1. Não acho necessário.

O código de barras na traseira do seu livro vai ficar bem bonitinho, mas no fim das contas isso faz pouquíssima diferença pro autor independente (e menos ainda pro leitor).

Mas digamos que você decida fazer. Aqui vai a segunda consideração e algumas informações:

2. ISBN é caro.

O ISBN não é caro por causa do código em si. É caro porque o cadastramento custa 290 reais, enquanto gerar um número custa apenas 22 reais.

Ou seja, se for seu segundo livro, você tá de boa. Mas, se for teu primeiro livro, você vai gastar 290 reais só pra se cadastrar.

E foi isso que eu fiz. Na época eu quis fazer tudo bem certinho e meu pai tinha dinheiro sobrando. Hoje eu acho bobagem e não teria feito (e nem tenho grana pra isso), assim como não faria ficha catalográfica, que me custou 35 reais.

O problema de não ter ISBN nem ficha catalográfica? Seu livro não pode ser distribuído em grandes livrarias. Mas ainda não é hora de falar sobre distribuição.

5. Capa e diagramação

Um capista cobra caro. E um diagramador também. Não posso dizer um valor exato, porque vai depender de cada profissional. Se o serviço for muito barato, é melhor desconfiar.

Por ser caro, como autor independente não pude me dar ao luxo de pagar por esses dois serviços. Julguei os dois simples demais pra pagar por isso, sendo que eu podia fazer sozinho.

Diagramei no Word de forma totalmente amadora (hoje eu uso Adobe InDesign). A capa eu fiz no Photoshop com uma foto que comprei em um banco de imagens: mexi nas cores, escolhi uma fonte legal no dafont.com e pronto.

Não achei a imagem com a capa do “Destinatário”. Mas aqui está outra capa que fiz para meu segundo romance publicado, sobre o qual vou falar adiante:

Repulsa e Piedade, vendido na Amazon

6. Impressão

Fiz uma impressão de 50 exemplares quando estava tudo pronto: escrito, revisado, registrado, diagramado e devidamente representado por uma capa. A impressão foi feita na Letras & Versos e cada livro saiu por cerca de 14 reais (em 2016). O serviço que eles fizeram foi excelente, com material nível Companhia das Letras.

Mas e aí, valeu a pena?

Bom, vamos analisar uns números (arredondados).

Publicação independente em formato impresso: valeu a pena?

  • 240 reais com ISBN;
  • 35 reais em ficha catalográfica;
  • 20 reais com o registro;
  • 600 reais com revisão;
  • 700 reais com a impressão do livro.

Valor total da conta de padeiro: 1595 reais. Ou seja, um custo de 31,90 reais para cada livro. Resolvi vender cada um por 35 reais, tendo um lucro baixíssimo que só bateria na conta se eu vendesse todos os exemplares.

Pessoas próximas de mim me ajudaram a vender porque sou péssimo nisso. Obviamente não vendi todos e saí no prejuízo (no caso o meu pai, que eu não paguei).

Mas…

E se eu tivesse vendido todos os exemplares?

Obviamente eu faria uma nova tiragem de 50 exemplares.

Qual seria o gasto?

700 reais mais… mais nada.

Ou seja, gastaria 14 reais por livro. E o restante seria lucro. Poderia baixar o preço pra 25 reais pra tornar mais acessível, porque dificilmente alguém vai pagar 35 reais no livro de um desconhecido (as pessoas esperam as promoções bizarras da Amazon pra não pagar isso nem em best-sellers).

Mas isso é só conjectura.

Essa foi a forma mais difícil, chata e desnecessária de publicação independente. Quando resolvi publicar meu segundo livro, cuja capa vocês viram acima, eu havia aprendido algumas lições importantes e fiz diferente.

A forma mais barata de publicação independente: e-book

Um e-book é uma excelente forma de lançar o que no mundo startupeiro é chamado de MVP: Mínimo Produto Viável. Em plataformas como a Hotmart e a própria ferramenta de autopublicação da Amazon (Amazon Direct Publishing), fica fácil lançar seu livro e testar a aceitação dele pra, daí, ver se valeria a pena publicar em formato impresso, acrescentando outros custos: revisão e leitura crítica, um bom projeto gráfico, impressão, estratégias de divulgação, parcerias com booktubers ou whatever.

O que eu fiz com meu segundo livro?

Eu aprendi as lições. Fiz uma capa legal em algum programa aleatório da Adobe, diagramei da melhor forma que pude, li muitas e muitas vezes antes de publicar. A revisão foi feita ao longos de meses, seguindo uma boa prática: deixar o texto descansar alguns meses sem tocá-lo pra, após leituras paralelas e estudos, voltar a tocar na obra sob outra perspectiva.

Quando eu lia esse conselho antes da primeira publicação, eu achava uma perda de tempo. Eu gosto de realizar as coisas rápido, assim que surgem na minha cabeça. Engavetar o texto e esperar meu amadurecimento, pra só então amadurecer a obra, me parecia um desperdício dum recurso que não é reutilizável.

Mas é um fato. Se você publicar sem deixar o texto descansar antes de revisar, é provável que fique uma bosta. Eu sei disso porque sigo publicando sem esperar.

Resultado?

Não gastei (quase) nada.

E também não lucrei (quase) nada.

Mas também não me esforcei muito. Divulguei na minha página no Facebook, divulguei para alguns amigos. Vendi só alguns exemplares e nunca consegui pegar o dinheiro na Amazon, porque precisava de uma conta bancária internacional. Tenho preguiça de ler os termos.

Mas aqui começa a parte mais importante: um dos conselhos que eu recebia e ignorava era o famoso “construa um público antes de publicar”. Ignorei solenemente esse conselho até que, em 2019, eu aprendi na prática qual é o papel disso para o autor independente que não quer se render às formas abusivas de publicação de editoras pequenas (que se passam por editoras, mas são gráficas com consultoria), nem à quase impossibilidade de ser publicado por uma grande casa editorial.

O papel da publicação independente no mercado editorial brasileiro

O mercado editorial brasileiro tá colapsando. Há mais editoras do que livrarias e isso sempre foi insustentável a longo prazo.

Enquanto existem livrarias grandes e editoras enormes falindo, há quem se demita de um emprego CLT pra ir a festas literárias em busca dum editor.

Apesar de esse ser um passo oriundo de uma mente ou cega pelos próprios objetivos ou alguém com privilégios de largar o emprego, é uma realidade que não pode ser ignorada.

Quais são as chances de isso dar certo? Poucas. Com 12 milhões de desempregados, não parece ser a coisa mais certa a se fazer.

E mais: se ilude quem acha que dá pra viver de livros no Brasil. A não ser que você seja o Paulo Coelho ou o diretor da rede Livrarias Curitiba, é improvável que isso aconteça.

Os royalties que um autor recebe no mercado editorial variam entre 5% e 15%. Quando você compra um livro de 40 reais, o máximo que o autor está ganhando é 6 reais. Pra ganhar o valor equivalente a um salário, precisaria vender cerca de 166 livros por mês.

Isso num cenário muito otimista em que você ganha 15%, que é raro. E, se existem promoções, você ganha menos ainda.

Como funcionam editoras tradicionais e como funcionam editoras pequenas malandras?

Uma editora tradicional, como Companhia das Letras, funciona assim:

  1. Eles decidem publicar seu livro.
  2. Seu livro é editorado, revisado, diagramado, recebe uma capa lindona e é publicado.
  3. Seu livro é distribuído em livrarias (aquelas poucas).
  4. Você recebe seus royalties, que vão de 5% a 15%.

E fim. Seu esforço é basicamente o de escrever, pois a editora toma conta do resto. Em compensação o lucro é pouco.

Mas as editoras pequenas não têm estrutura nem capital pra arcar com teu livro. Caso você não tenha uma base de fãs, seu livro é uma aposta. Então qual a malandragem das editoras pra driblar essa dificuldade?

Elas transferem a responsabilidade das vendas — a mais difícil — pra você. Então elas dizem que aceitaram seu livro e você fica feliz, mas na real o buraco é mais embaixo.

Elas te contam que fazem tudo: a capa lindona, a diagramação, a revisão. Você só precisa comprar quantidade X de exemplares. Eles publicam e você, escritor, compra. Aí, com uma pilha de livros encalhados, você assume um papel que deveria ser da editora: garantir a distribuição.

Então você vai gastar muita grana e vai tá sozinho no mundo. Você não assinou com uma editora, assinou com uma gráfica. E aí a editora tem os direitos do seu livro, sobre os quais você vai lucrar no máximo 15%, lembra?

Pois bem.

Pra não cair nesse papo, após essa contextualização, aí vai a dica: cortar intermediários.

Cortando intermediários: publicando de forma independente

Na segunda remessa do meu livro “Destinatário”, eu gastaria só com a impressão. Se vendesse por 25 reais, eu teria 9 reais de lucro. Ou seja, 28% de lucro, mais que o dobro do valor médio de royalties de uma editora. Se eu imprimisse numa quantidade maior, como 100 cópias, minha margem de lucro seria ainda maior.

O problema? Você tá sozinho. É você quem corre atrás de profissionais e leitores.

Mas, a não ser que você assinasse com uma editora tradicional, seria assim de qualquer forma. Então eu, particularmente, prefiro manter total controle sobre o processo criativo, sobre os direitos da obra e sobre o fluxo de caixa.

“Mas eu não tenho público. A opção ideal é procurar uma editora tradicional?”

Editoras são empresas, não são ONGs especializadas em realizar teus sonhos ególatras de publicar sua obra genial.

Uma editora só vai publicar seu livro se ele for economicamente interessante. E, caso você não tenha público nenhum, é improvável que uma editora tradicional te aceite.

De uns anos pra cá, larguei a preguiça e comecei a me expor mais na internet, construindo a passo de lesma uma base de seguidores interessados no que eu escrevo. É isso que importa e é com isso que vou publicar meu próximo livro de poesia, de forma impressa, que em breve entra em pré-venda.

Startup da Real, um cara que eu acompanho há um tempinho, ganhou público com conteúdos no Twitter e aqui no Medium. Com uma base enorme de seguidores já construída, publicou um livro na Amazon. De forma totalmente independente, vendeu milhares de ebooks. Isso chamou a atenção de uma editora que ofereceu um contrato, o que fez o Startup da Real alcançar públicos diferentes, em livrarias e na imprensa.

Pro bem ou pro mal, é assim que as coisas funcionam nesse mercado editorial. O processo é lento.

Por isso, termino esse texto com a mensagem positiva inicial: não recomendo que você publique seu livro. Desista dos seus sonhos e tudo vai ficar bem.

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Kalew Nicholas

Escrevo coisas de qualidade duvidosa desde que aprendi a assinar meu nome. | kalewnicholas.com.br/portfolio